terça-feira, 6 de agosto de 2013

O cérebro foi para a escola


Os professores de colégios públicos e particulares agora têm aulas sobre o funcionamento cerebral para desenvolver novas e eficazes formas de ensinar

CAMILA GUIMARÃES
FORMAS E FIGURAS Carolina Guimarães com seus alunos. Depois de estudar neurociência, ela passou a enfatizar mais a geometria para estimular a memória das crianças (Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA)
Durante os últimos cinco anos, Claudia Simões Lacerda, de 44 anos, esteve às voltas com textos sobre como funciona o sistema nervoso humano e como se comportam os neurônios e são formadas as redes neurais. Faz parte de seu trabalho ler livros e artigos de neurocientistas como Eric Kandel, Stanislas Dehaene, Nicolas Zavialoff, Roberto Lent ou Ivan Izquierdo. A cada quinzena, ela se encontra com um grupo que estuda os mesmos princípios da biologia. São colegas de profissão que se reúnem para discutir o que aprenderam e trocar ideias sobre como a neurociência pode ajudar a melhorar seu trabalho. Claudia não é neurologista. Nem psicanalista. Ela trabalha com outra especialidade bastante ligada ao cérebro. É professora de educação infantil do Colégio Santa Maria, em São Paulo. Faz parte do seleto grupo de professores brasileiros que levam a sério o uso das descobertas da neurociência na escola. “Esse conhecimento mudou meu jeito de dar aula”, afirma.

Claudia, professora há 24 anos e formada em pedagogia, já sabia da importância do uso do desenho para estimular seus pequenos alunos de 3 e 4 anos. Ela aprendeu com a neurociência que desenhar estimula a formação de estruturas neurais da memória. E que acumular e consolidar acervos de memória pode ajudar no aprendizado futuro da criança. A partir daí, Claudia fez ajustes em suas aulas. No projeto em que os alunos plantam uma flor e observam diariamente seu desenvolvimento, ela introduziu o desenho da planta pelo menos três vezes por semana. Os alunos também passaram a realizar procedimentos de pesquisa que lembram os estudos de gente grande. Com a ajuda dela, registram suas impressões num caderno, onde anotam as mudanças na evolução da planta. “Fazer registros sistemáticos é fundamental para consolidar a memória”, diz.
A formação da memória é um dos principais focos dos estudos da neurociência, ramo do conhecimento que estuda o sistema nervoso. Ela ganhou fama na década de 1990, nos Estados Unidos, tamanha a prioridade dada ao financiamento de pesquisas sobre o comportamento e as características do cérebro humano. Os resultados dessas pesquisas se tornaram populares com as imagens luminosas de ressonâncias magnéticas mostrando que áreas do cérebro são ativadas (ou acendem nos monitores) no exato momento em que se ouve uma música ou se aprende algo novo. Saber como o cérebro registra novas informações e como a memória guarda as antigas abre a possibilidade de usar a neurociência em sala de aula. “Saber como funciona o próprio cérebro e o dos alunos pode ajudar o professor a dar mais apoio à aprendizagem”, diz a neurocientista e educadora Elvira Souza Lima.

Elvira, também formada em psicologia, pedagogia e sociologia, é quem coorde­na o grupo de estudos dos professores do Colégio Santa Maria e de outras escolas particulares de São Paulo, além de atender redes públicas municipais em Minas Gerais. Seu trabalho é ensinar aos mestres o que a teoria científica diz sobre o cérebro e ajudá-los a encontrar a melhor prática dentro da sala de aula.
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Professora há 12 anos, Carolina Guimarães, de 32, trabalha formas geométricas semanalmente com seus alunos de 5 anos, no Colégio São Luiz, em São Paulo. “A geometria costumava ficar em segundo plano”, diz. “Mas a percepção das formas é, assim como o desenho, um estímulo para formar as redes neurais da memória.” Aluna de um dos cursos que Elvira deu no São Luiz, Carolina teve seu primeiro contato com estudos sobre o cérebro numa especialização de dois anos, quando estudou neuropediatria.
MENTE Elvira com professoras, numa aula sobre neurociência. Ela dá orientação em escolas particulares e redes municipais (Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA)
Há poucos professores e pedagogos dedicados a estudar e pesquisar neurociência no Brasil. Em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, a relação entre o conhecimento do cérebro e o que se aprende na escola está mais avançada. Em 2000, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou um relatório especial para defender a importância de integrar o conhecimento gerado pela neurociên­cia às práticas pedagógicas das escolas. A partir de 2007, surgiram publicações científicas respeitadas sobre o assunto. Na França, o currículo da educação infantil foi feito com base no que se sabe sobre o desenvolvimento humano.

A maioria das pesquisas feitas sobre aprendizado e cérebro parte do olhar dos neurocientistas. Ainda não há levantamentos que meçam os resultados da neurociência na educação. Sabe-se pouco sobre em que medida esse conhecimento pode ser eficaz para aumentar o desempenho escolar das crianças. “Até agora, só os neurocientistas falaram. Falta ouvir os pedagogos”, diz Elvira. “A neurociência vai até a porta da sala de aula. O que acontece lá dentro é com o professor.”

O perigo neste momento é criar brechas para mais um modismo inócuo na educação. Algo na linha daqueles que expõem bebês à música clássica, na ilusão de que crescerão mais inteligentes. Ou daqueles que atribuem às meninas um cérebro mais adequado para aprender as disciplinas escolares que aos meninos. Aprofundar os estudos dos professores em neurociência é uma das formas de evitar esses modismos. “Os educadores precisam se apropriar desse saber para evitar cair em armadilhas”, diz Claudia Lopes da Silva, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Mesmo que a neurociência não seja a solução mágica para ensinar melhor, sua chegada às escolas tem um grande valor. Quando os professores entram num grupo de estudos, dedicam-se a ler e a refletir sobre sua prática, entram em contato com conhecimentos científicos recentes, começam a questionar o que aprenderam na faculdade e já passam a ensinar melhor. Ficam mais empolgados com a profissão e são estimulados a experimentar novidades na sala de aula. “Na primeira vez que Elvira mostrou o que acontece no cérebro quando uma criança aprende, a vontade que deu foi de saber mais, de estudar mais”, afirma Carla Brenes Teixeira, professora de educação infantil do Colégio Porto Seguro, de São Paulo.

Carla mudou também seu próprio jeito de aprender. Estimulada pelas aulas de neurociência, adotou em seu dia a dia a mesma prática de registro sistemático usada com os alunos. Ela escreve tudo: o que foi feito em sala de aula, os resultados dos trabalhos com os alunos, observações sobre o desempenho das crianças. Antes, escrevia no tablet. Segundo alguns neurocientistas, como Elvira, a escrita à mão parece ser mais eficaz para ativar as redes de neurônios associadas à memória. “Agora uso menos o tablet, anoto tudo num caderno”, diz Carla.

Outro efeito positivo da neurociência sobre o trabalho docente é determinar que toda criança é capaz de aprender. Quando isso vira um fato científico, o professor muda a maneira de lidar com alunos com aprendizagem defasada. Há dois anos, Elvira foi chamada pela rede municipal de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, para ajudar 141 professores a recuperar alunos do 4o e 6o anos que não sabiam nem sequer ler e escrever. “Ela mudou a organização do conteúdo das aulas”, diz Léa Alves, coordenadora pedagógica da rede. Se o verbo de ação mobiliza mais a área cerebral, como diz Elvira, por que não organizar a escrita das crianças a partir dele? Na hora de orientar uma redação sobre o que cada aluno fez no fim de semana, os professores passaram a enfatizar os verbos das frases: correr, brincar, viajar etc. A partir deles, ficou mais fácil para os alunos pôr suas ideias no papel. “São medidas simples com resultados gigantescos”, diz Léa. A grande mudança está na cabeça do professor. 

Fonte: http://epoca.globo.com//vida/noticia/2013/07/o-cerebro-foi-bpara-escolab.html

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